Recentemente várias manchetes vêm sendo veiculadas na imprensa
noticiando que o “congresso livrou os planos de saúde de cobranças
milionárias”. Notícias com grau de sensacionalismo, citando
opiniões de ser um fato “vergonhoso” ou “absurdo”. Diante desse
quadro, este parecer visa esclarecer as questões de fato e de
Direito que envolvem a matéria.
Na prática, a Lei 12.873 de 24/10/2013 impactou num real aumento na
carga tributária das operadoras de plano de saúde, que sofreram uma
elevação de alíquota da COFINS em 1% – passando de 3% para 4% –
contudo, a questão de fato é que, desde sempre, estas empresas
apuram a base de cálculo do PIS/COFINS, abatendo as despesas pagas
com as indenizações correspondentes aos eventos ocorridos com seus
beneficiários, conforme disposto na Lei 9.718/98.
A base de cálculo do PIS e da COFINS envolve o total das receitas,
independentemente da denominação ou classificação contábil, e
admite deduções gerais a todas as empresas e, com relação às
operadoras, essas deduções alcançam as indenizações com eventos
ocorridos, efetivamente pagos, que não integrem o seu custo
próprio.
Toda essa regulamentação tributária comprova que a parcela dos
recursos recebidos dos consumidores pela operadora, que é destinada
aos pagamentos de eventos (sinistros), não caracteriza receita e,
sim, mero repasse. Assim, conclui-se que esses valores apenas
transitam pela contabilidade das operadoras, já que por força do
inciso I do artigo 1º da Lei 9.656/98, os planos de saúde são
responsáveis pelo pagamento dos sinistros ocorridos com seus
beneficiários, por ordem e em nome dos mesmos, como seu mandatário,
e atuando como gestora desses recursos.
Portanto, a nova Lei 12.873 de 24/10/2013, apenas “interpretou” o
texto da norma anterior, sem trazer nenhuma inovação em seu
conteúdo prático, exceto a elevação da alíquota, e
consequentemente, aumento da arrecadação.
Segundo o texto 24/10/2013, a Lei nº 9.718, de 27 de novembro de
1998, passa a vigorar com as alterações. A primeira, “para efeito
de interpretação, o valor referente às indenizações correspondentes
aos eventos ocorridos de que trata o inciso III do § 9o entende-se
o total dos custos assistenciais decorrentes da utilização pelos
beneficiários da cobertura oferecida pelos planos de saúde,
incluindo-se neste total os custos de beneficiários da própria
operadora e os beneficiários de outra operadora atendidos a título
de transferência de responsabilidade assumida”.
A segunda: “Fica elevada para 4% (quatro por cento) a alíquota da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS
devida pelas pessoas jurídicas referidas no § 9o do art. 3o desta
Lei, observada a norma de interpretação do § 9o-A, produzindo
efeitos a partir do 1o (primeiro) dia do 4o (quarto) mês
subsequente ao da publicação da lei decorrente da conversão da
Medida Provisória no 619, de 6 de junho de 2013, exclusivamente
quanto à alíquota”.
Com a “interpretação” acima, o Governo, na verdade, está se
preservando e evitando cair nos mesmos erros de um passado recente,
onde foi réu perdedor em inúmeras teses de inconstitucionalidades
tributárias que movimentaram o judiciário federal no final dos anos
80 e início dos anos 90. Certamente se esse pleito fosse levado até
às instâncias superiores não subsistiria a tese absurda de tributar
os valores aqui apontados como deduções legais da base de
cálculo.
Nesse ponto, o governo está extremamente técnico e bem assessorado
juridicamente, e evitou para si uma possível avalanche de teses
tributárias de recuperação de crédito, das quais sairia perdendo,
já que o Superior Tribunal de Justiça definiu que a base de cálculo
do ISS para as operadoras é apurado considerando as deduções das
despesas com os sinistros, conceito que seria aplicado por analogia
para o PIS/COFINS.
No julgamento do Recurso Especial 1.137.234, em voto relatado pelo
Ministro Mauro Campbell Marques, foi fixada a seguinte ementa: “Os
valores decorrentes da venda de ‘planos’ ou ‘contratos de
seguro-saúde’ não se sujeitam ao Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) pelo valor bruto recebido, mas pelo seu valor
líquido, assim entendido o que se obtém após deduzidos os
pagamentos efetuados aos médicos, dentistas, enfermeiros,
laboratórios, hospitais e outros que prestarem os serviços de saúde
cobertos pelos planos, valor (líquido) esse que, no fundo,
representa a comissão auferida pela empresa que os coloca no
mercado. A admitir-se a tributação dos referidos planos pelo seu
valor integral (bruto), haverá induvidosamente um duplo pagamento
do imposto o que é vedado sobre as parcelas pagas aos terceiros
pela execução dos serviços de saúde: um pela empresa captadora dos
planos e, o outro, pelos terceiros, contribuintes que são do mesmo
imposto, por prestarem os serviços por eles cobertos”.
No mesmo sentido, o Ministro José Delgado, ao julgar o Recurso
Especial 1.002.704, definiu que: “nas operações decorrentes de
contrato de seguro-saúde, o ISS não deve ser tributado com base no
valor bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas sim
pela comissão, ou seja, pela receita auferida sobre a diferença
entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para os
terceiros, efetivamente prestadores dos serviços”. Citou-se ainda
no referido recurso especial, precedente emanado do Ministro
Francisco Falcão, nos autos do recurso especial nº 227.293/RJ.
Ou seja, o governo jamais poderia alterar o conceito de “receita”,
já que é proibido à lei tributária de apartar-se da definição, do
conteúdo e do alcance dos institutos, conceitos e formas de Direito
Privado, conforme preceitua o artigo 110 do Código Tributário
Nacional.
Portanto, é pacífica a ilegalidade de possível tributação de
PIS/COFINS sobre os valores decorrentes das indenizações pagas a
título das utilizações pelos beneficiários da cobertura oferecida
pelos planos de saúde.
No final das contas, quem saiu ganhando com o advento da Lei
12.873/2013 foi o próprio governo e não os planos de saúde, como se
vem divulgando equivocadamente, pois além de aumentar a carga
tributária, o governo evitou contra si discussões jurídicas de
altíssimo risco de perda, que impactariam negativamente nos cofres
públicos.