SÃO PAULO, SP – Prestes a deixar a
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), o diretor-presidente
Leandro Fonseca da Silva, 45, afirma ser favorável à proposta das
operadoras de saúde de mudanças nas regras do setor que permitam a
entrada no mercado de produtos com diferentes formatos e menor
preço.
"A população quer plano de saúde, a
oferta de planos ambulatoriais quase não existe, seria uma
segmentação mais barata", afirma ele, que encerra o mandato nesta
sexta (21). Na agência desde 2010, ocupava a presidência
interinamente desde 2017 e, no início deste ano, foi efetivado.
Mas não existe o risco de que
planos com menor cobertura, sem a oferta de hospitais, por exemplo,
empurrem esse usuário para o SUS quando houver necessidade de
tratamento mais complexo, ou de que aumente a judicialização?
"Tem que ficar claro para o
contratante o que ele está comprando, qual o limite de cobertura. A
sociedade precisa discutir o conceito da integralidade da
assistência no público e no privado. É tudo para todo mundo? O
setor privado tem que dar integralidade? Qual é o limite?",
questiona.
Planos ambulatoriais já estão
previstos na lei atual, mas acabam não sendo ofertados por boa
parte das operadoras -dos 47 milhões de usuários, só 1,5 milhão têm
esse produto.
"A gente vê surgindo no mercado as
clínicas populares, que acabam pegando esse nicho." Entretanto, ele
pondera que é preciso cuidado para não se "voltar ao capitalismo
selvagem do mundo pré-regulação [antes da lei 9.656/98, que regulou
os planos]".
Para Silva, um aspecto relevante na
sua gestão foram decisões judiciais que endossaram o trabalho
técnico realizado pela ANS. Em uma recente, o STJ (Superior
Tribunal de Justiça) negou o recurso de uma segurada que pretendia
que o plano cobrisse tratamento não incluído na lista da ANS.
Entre os argumentos, o tribunal diz
que o rol da ANS propicia a previsibilidade econômica necessária à
precificação de planos e que decisões judiciais que impõem
coberturas sem amparo legal causam distorções no custeio das
operadoras, o que encarece os planos e restringe ainda mais o
acesso a eles.
A decisão preocupa as entidades de
defesa do consumidor, por eventual risco de reversão de sentenças
favoráveis ao consumidor.
"O Judiciário vem tomando várias
decisões em deferência ao trabalho técnico da ANS, a várias medidas
que adotamos". No início deste ano, o STJ também decidiu que a
operadora não é obrigada a fornecer plano de saúde individual se
atua somente com coletivos. Antes, havia considerado válido
reajuste de plano por mudança de faixa etária. Os três são temas
que levam muitos usuários de planos à Justiça.
"A gente avançou muito em termos de
transparência e de processos de trabalho, e isso teve reflexo numa
maior legitimidade pela sociedade e pelo Judiciário", afirma.
Outro tema que o diretor-presidente
da ANS se orgulha de ter pautado foi uma maior aproximação da
agência com as empresas contratantes de planos de saúde, no intuito
de incentivá-las a adotar programas de promoção de saúde e
prevenção de doenças e, assim, reduzir custos com planos de saúde.
Hoje, dois terços dos planos no país são coletivos
empresariais.
"O Brasil ainda está com
dificuldade econômica para retomar crescimento. Ter trabalhadores
ativos, reduzir o absenteísmo é fundamental. E o setor da saúde
suplementar pode contribuir. Ter essas empresas engajadas em fazer
uma gestão de saúde populacional em parceria com as operadoras pode
ajudar muito na mudança do modelo assistencial."
Hoje, há pelo menos 70 grandes
empresas, como Ambev, GE e Pirelli, que adotaram programas nessa
linha. Uma delas, por exemplo, identificou que, na base de
funcionários, havia muitas mulheres com endometriose, doença que
provoca dor e infertilidade, e solicitou à operadora um programa
específico para tratar o problema. A adesão das mulheres foi de
100%.
"Em todos os casos, as empresas
passaram a gastar menos com planos de saúde. É possível entrar num
ciclo virtuoso com cada vez mais empresas se engajando no processo
de olhar o que a sua população está precisando e, em parceria com
operadoras, criar programas para atender condições clínicas e fazer
campanhas de promoção de saúde e prevenção de doenças."
O êxito dessas experiências e o
fato de que os gastos com planos de saúde respondem hoje por 20% a
25% da folha de pagamento têm feito com que as empresas se
organizem em grupos para fazer a gestão da saúde dos funcionários.
Contam com apoio da CNI (Confederação Nacional da Indústria), do
Sesi (Serviço Social da Indústria) e da Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo.
"É um gasto relevante. Nesses anos
de crise, muitas empresas optaram por fazer ‘downgrade’ do plano,
aumentar coparticipação, mas muitas observam que os resultados são
de curto prazo, depois retornam à trajetória de crescimento [de
gastos]. Não basta fazer pressão em cima do fornecedor do plano de
saúde, é preciso se engajar na mudança do modelo assistencial."
Por outro lado, um tema que pouco
avançou na agenda da ANS foi a discussão sobre desperdícios no
setor suplementar. Um estudo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde
Suplementar) mostrou que procedimentos desnecessários e fraudes
corresponderam a quase R$ 28 bilhões dos gastos das operadoras de
planos de saúde do país em 2017, ou 19% das despesas
assistenciais.
"Falta uma reorganização dessa
oferta de serviços, que hoje é muito fragmentada. Muitas vezes o
beneficiário caminha sozinho na rede e fica perdido. Ele faz
consulta num lugar, vai para outro especialista, ouve um terceiro,
faz um exame num lugar, faz procedimento em outro. Existe uma série
de ineficiências no setor de saúde que poderiam ser evitadas se
houvesse uma centralidade de informações do paciente."
Para ele, uma das saídas poderá
estar na proposta do Ministério de Saúde de implantar o Conjunto
Mínimo de Dados (CMD), que reunirá informações de estabelecimentos
de saúde públicos e privados, entre elas sobre atendimentos
ambulatoriais e hospitalares.
"Falta organizar melhor a porta de
entrada do usuário. Devíamos ter diversas portas de entrada [no
SUS, é a atenção básica]. Muitas vezes, o paciente está com
determinada necessidade, vai bater no hospital direto. No setor
privado, algumas operadoras já entenderam isso e estão colocando os
melhores profissionais médicos no PS. Depois engajam o paciente
numa determinada linha de cuidado."