O bumerangue pode
atingir com força um sistema que está longe de ser uma máquina de
lucrar
Tem gente que acha que o bom é
entrar nas curvas fechadas no limite, cantando pneus, e, se a
estrada for de terra, melhor ainda! O carro sai de lado e tem que
mostrar perícia, segurando a derrapada no acelerador e na
direção.
O problema é que, invariavelmente,
a aventura acaba mal, o carro bate ou capota, e as consequências
podem ser ruins. A regra vale para quase tudo na vida. Inclusive o
comportamento socioeconômico e as escapadas que acontecem e que não
dependem da gente.
É preciso ver o quadro no longo
prazo, nas curvas abertas em que o carro não derrapa, cujo final
está além da nossa visão e que, por isso mesmo, pode apresentar
outras consequências, antes de a estrada acabar.
No mundo
inteiro, político gosta de fazer demagogia com o bolso
do outro ou com o dinheiro do governo. A regra não é
brasileira, mas aqui usam e abusam dela, ultrapassando todos os
limites. Se tiverem cinco minutos de visibilidade imediata, dane-se
o resto. Estouram a boca do balão, mesmo sabendo que, no final,
quem paga a conta é o povo.
A vida não acontece em 24 horas.
Ela se estende no tempo como um rio que atravessa planícies e zonas
montanhosas, em curso lento e tranquilo, seguido de outro
encachoeirado. Depois de cada curva, surge um novo cenário, uma
planície onde ele se espalha ou uma garganta onde passa apertado.
Se chove, o rio segue de um jeito, se não chove, segue de outro,
todos únicos porque as águas não voltam, nem correm da mesma
maneira.
Os planos de
saúde, ao longo de 2020, tiveram um comportamento
atípico. Por causa da pandemia do
coronavírus, milhões de procedimentos não ligados ao
vírus foram adiados, o que resultou em menos pagamentos feitos
pelas operadoras e, consequentemente, resultados positivos nos
balanços.
O processo se estendeu pelo
primeiro semestre de 2021, mas mudou logo em seguida. Os exames, as
consultas e as cirurgias que estavam represados foram marcados,
aumentando significativamente a quantidade de procedimentos a serem
pagos, já que os do ano seguiram a rotina.
Virada
Ou seja, o resultado positivo de
2020 foi rapidamente substituído pelo aumento generalizado das
despesas, que comeu o lucro de várias operadoras e que promete
balanços bem mais medíocres em 2021.
Ao determinar aumentos bastante
questionáveis, levando em conta os resultados de curto prazo, com
base nos números de 2020, a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cometeu um equívoco
que pode ter consequências desastrosas, principalmente, para os
segurados de planos mais afetados pela mudança de cenário ou menos
capitalizados.
A volta do bumerangue pode atingir
com força um sistema que está longe de ser uma máquina de gerar
lucros espantosos e que está, em muitos casos, com preços abaixo
dos necessários para dar conta de pagar concomitantemente os
procedimentos represados e os procedimentos atuais.
Como se não bastasse, além deles, a
pandemia do covid-19 não acabou, e novas cepas do vírus se espalham
pelo mundo, enquanto, no Brasil, além delas, uma epidemia de gripe
também cobra seu preço.
SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E
CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE
LETRAS