Altas taxas de sinistralidade e
resistência dos resseguradores internacionais em aceitar
determinados riscos são fatores que explicam essa
tendência
O Mercado de Seguros já trabalha
com a possibilidade de o preço do resseguro avançar nos próximos
meses, em decorrência de fatores como alta das taxas médias de
sinistralidade e maior resistência dos resseguradores
internacionais em assumir determinados riscos. Esse cenário marcado
pela gradual conversão do mercado soft para hard — que no exterior
já restringe a oferta de coberturas — pode chegar ao Brasil em
pouco tempo, segundo avaliação de consultores, resseguradores e
presidentes de entidades.
É o caso do presidente da Federação
Nacional das Empresas de Resseguros (Fenaber), Paulo Pereira, para
quem a projeção quanto ao comportamento das taxas do resseguro para
os próximos meses de fato não é das mais favoráveis. “Estamos
observando o endurecimento das taxas e condições a fim de recuperar
a deterioração dos últimos anos e a alta da sinistralidade. Há a
expectativa de incremento nos preços de resseguro”, comenta
Pereira.
Segundo ele, no caso do mercado
brasileiro, já se nota essa mudança nos preços. Contudo, o
presidente da Fenaber pontua que ainda não se trata de mercado
hard, pois, “nos termos certos”, ainda é possível obter capacidade.
“Para algumas linhas de negócio, como o seguro agrícola, a oferta
de capacidade foi restringida em algumas regiões”, afirma.
Além disso, ao comentar o fato de
países como os Estados Unidos já registrar relatos de seguradoras
que suspenderam a oferta de novos negócios, em virtude da forte
alta dos planos de resseguros, Paulo Pereira observa que, de
maneira geral, isso não está ocorrendo no mercado brasileiro, mas
pode vir a ocorrer ainda este ano.
“O aumento nos preços do resseguro
está sendo absorvido pelo mercado segurador. Porém, há casos
específicos e pontuais de seguradoras que estão deixando de operar
em determinada linha de negócio por não terem conseguido renovar ou
colocar seu contrato de resseguro”, ressalva.
O presidente da Fenaber também
acredita que os sinais de taxas mais duras, especialmente em
carteiras como o seguro rural, poderão se estender para outros
ramos elementares. Ele entende que estão mais sensíveis a essa
possibilidade principalmente aqueles ramos de seguros mais
impactados por fatores como a inflação e a alta da taxa de
sinistralidade.
Paulo Pereira acha que também podem
ser afetados mais diretamente os seguros relacionados à cobertura
da Covid-19 e aos riscos climáticos, que têm gerado perdas. Sobre
as modalidades mais suscetíveis a mudanças de preços ou à restrição
de coberturas em um cenário marcado pela inflação elevada e
sinistralidade severa, ele citou os seguros de automóveis,
agrícolas, de garantia, habitacionais e de pessoas.
RESULTADO NEGATIVO
Mais contundente, o consultor Paulo
Botti se mostra apreensivo, especificamente no caso do mercado
brasileiro, pois os resseguradores locais e offshore podem ter, em
2022, “um ano desastroso”. Ele cita os seguros agrícolas, que já
amargam um resultado negativo em R$ 4,5 bilhões, “o que tende a se
agravar até o final do ano”.
Apesar de, na maioria dos demais
ramos, o resultado registrado ainda ser positivo, como tem sido nos
últimos anos, Botti afirma que os números negativos apurados no
ramo agrícola de agro levarão a um mercado muito mais duro,
inclusive em property.
“Sem dúvida, teremos taxas maiores
e comissões de resseguro menores, influenciando principalmente as
renovações para 2023, cujas negociações se iniciarão nos próximos
meses”, projeta. Nesse contexto, ele afirma que o reflexo em 2022
se apresenta mais no endurecimento das regulações de sinistros,
pois os contratos que cobrem o ano foram negociados em fins de
2021.
Essas negociações, argumenta ele,
já ocorreram com alguma dificuldade, mas alerta que isso não é nada
comparável à perspectiva para 2023. “Nas renovações do ano que vem,
as dificuldades serão ainda maiores”, prevê, acrescentando que já
se nota no Brasil a retração observada no exterior de suspensão da
oferta de novos negócios. Com isso, o apetite para alguns ramos já
é bem menor.
Botti, porém, enxerga nessa
tendência uma oportunidade para algumas empresas do setor. “Novas
seguradoras, ainda com carteiras em formação, poderão certamente
tirar vantagem disso, se souberem aproveitar as oportunidades”,
sugere o consultor.
Quanto às modalidades de seguros
mais suscetíveis às variações nos preços do resseguro ou mesmo de
restrição de coberturas, diante de um cenário adverso, Botti
comenta que, além de sinistralidade elevada, a incerteza econômica
que o País atravessa faz com que o risco seja considerado maior, o
que gera mudança de preços para os segurados. “Um mercado duro de
resseguros agrava o problema, principalmente nos ramos muito
dependentes desse tipo de operação”, ressalva.
Não é de hoje que essas questões
ligadas ao ressseguro preocupam Botti. Desde o final do ano
passado, quando participou de painel sobre resseguro no II
Congresso Internacional de Direito do Seguro (CJF-STJ), ele já
demonstrava apreensão com o que considera elevados repasses dos
grandes riscos brasileiros ao exterior, o que pode enfraquecer o
mercado interno.
Ele aponta como razão para isso a
evasão das seguradoras nacionais do segmento de grandes riscos nos
últimos anos, mantendo o foco no varejo massificado. Vale lembrar
que, desde 2017, deixou de existir a obrigatoriedade de retenção de
50% dos riscos no mercado local, passando a valer a plena liberdade
das operações.
TENDÊNCIA DE ALTA
A visão de quem está do outro lado
do balcão, nas resseguradoras, também é de relativo pessimismo.
Head Reinsurance Brazil & Southern Cone na Swiss Re, Fred Knapp
acredita que haverá aumento nas taxas de resseguro. Ele defende um
maior alinhamento do mercado brasileiro com o mercado externo em
razão da alta nos custos de retrocessão e da inflação global, além
do aumento da exposição das resseguradoras. “Algumas linhas de
negócio já estão endurecendo termos e condições para aceitar o
resseguro, mantendo a tendência de alta nos preços nos próximos
meses”, frisa Knapp.
Relatório divulgado pela agência de
rating AM BEST, denominado “Global Reinsurance: more stable and
improved results following shift from property catastrophe risks”,
aponta como fator relevante para preocupação o avanço dos riscos
catastróficos. Segundo o documento, além das catástrofes naturais,
há razões para o setor ficar apreensivo em relação aos “perigos
secundários”, como eventos de média dimensão, incluindo incêndios,
tempestades, inundações ou granizo, e ainda os impactos da pandemia
e as oscilações na economia mundial.
A soma desses fatores está gerando
incertezas entre as grandes resseguradoras que, inclusive, já têm
alterado seu mix de negócios para linhas de acidentes e
especialidades, nas quais as variações nos preços ainda são
positivas. O relatório indica ainda que a maior frequência de
eventos catastróficos nos últimos cinco anos pressiona o mercado e
até abala a confiança dos analistas de risco nas ferramentas de
modelação e cálculo do valor do prêmio.
Para as resseguradoras, além de o
ambiente de subscrição estar menos previsível, algumas medidas
adotadas por diferentes governos impactam as condições de mercado.
Exemplo disso seria a tentativa dos bancos centrais de apertarem o
acesso a recursos para tentar controlar a inflação, após um período
em que prevalecia certa abundância de capital em razão das baixas
taxas de juros.
A avaliação é de que os temores de
recessão e a desvalorização de ativos prejudicam os balanços de uma
maneira que as perdas por catástrofes até agora não foram capazes
de fazer.
Mesmo diante desse cenário
preocupante, a AM BEST mantém perspectiva estável para indústria
global de resseguros. Para a agência, as resseguradoras permanecem
“inovadoras” e apresentam nível sofisticado na seleção de riscos,
na formação de preço, no desenvolvimento de produtos e na gestão de
capital. O relatório ressalta que a AM BEST considera o resseguro
global como muito bem capitalizado e disciplinado.
Nesse contexto, várias iniciativas
de realinhamento vêm ocorrendo nos últimos três anos. A pandemia
desacelerou esse movimento, e o segmento registrou, no ano passado,
um índice combinado abaixo de 100% pela primeira vez em cinco anos,
com 96,4%, e um retorno sobre o capital próprio de 9,2%, em
comparação aos 2,3% de 2020. As empresas mais bem avaliadas pela
agência demonstraram capacidade de adaptar seus negócios às
condições de mercado e gerar lucros sustentados.
De acordo com dados da
Superintendência de Seguros Privados (Susep), no primeiro semestre
deste ano, a receita de prêmios de resseguro apurada no mercado
brasileiro somou aproximadamente R$ 6,2 bilhões. Em relação aos
seis primeiros meses do ano passado, houve queda de 2,5%. Hoje,
estão cadastradas ou autorizadas pela Susep a operar no mercado
brasileiro 118 resseguradoras, sendo 13 “locais”, 33 “admitidas” e
72 “eventuais”.
NOVAS REGRAS AUMENTAM
A LIBERDADE CONTRATUAL
A Susep concluiu no dia 18 de
agosto a coleta de sugestões do mercado, por meio de consulta
pública, sobre a minuta de resolução do CNSP que vai consolidar as
regras para as operações de resseguro e retrocessão e das
contratações de seguros no exterior.
O texto aumenta a liberdade
contratual, permitindo a compra de resseguro e de retrocessão no
País em moeda estrangeira, em qualquer situação, como já ocorre na
contratação de seguros. A medida, na avaliação da Susep, abre
espaço para o “desenvolvimento de novos produtos”.
Outro ponto importante é o que
limita o percentual de cessão, pelas seguradoras e resseguradores
locais, respectivamente em resseguro e retrocessão, em 50% dos
prêmios emitidos relativos aos riscos que houver subscrito,
considerando-se a globalidade de suas operações, em cada ano
civil. Contudo, serão autorizadas as cessões em percentual
superior ao previsto, desde que “por motivo tecnicamente
justificável”.
A Resolução também deverá ampliar,
especificamente para os resseguradores locais, o percentual nas
cessões de retrocessão em até 70% dos prêmios emitidos. Nesses
casos, não haverá exceção por ramos. E mais: as seguradoras deverão
apresentar justificativa técnica para a adoção de percentual de
cessão em resseguro superior a 90%, considerando a globalidade de
suas operações, por ano civil.
Esse acompanhamento visa monitorar
e coibir eventuais desvirtuamentos no emprego do resseguro. Quanto
às operações em moeda estrangeira e ao seguro contratado no
exterior, a minuta estabelece que “a contratação em moeda
estrangeira no País poderá ser efetuada mediante acordo entre
seguradora e segurado, salvo regulamentação específica em
contrário”.