Entidades privadas contratadas pela prefeitura para agilizar o
atendimento médico na cidade de São Paulo deixaram de fazer três em
cada dez consultas com especialistas pelas quais foram pagas pelo
poder público.
O dado consta de levantamento da Folha sobre prestações de
contas feitas à prefeitura pelas OSs (Organizações Sociais),
instituições sem fins lucrativos pagas para cuidar de unidades e
complementar serviços de saúde.
As entidades deveriam ter realizado 530.151 consultas nos
Ambulatórios Especialidade e nas AMAs (Assistências Médicas
Ambulatoriais) Especialidade em 2012. Mas apenas 347.454 foram
feitas.
O cenário repete o que aconteceu em 2011, quando as entidades
deixaram de realizar 41% dos atendimentos previstos. Nesses dois
anos, elas receberam todos os repasses do município
normalmente.
As instituições também não cumpriram os contratos dos Caps
(Centros de Atenção Psicossocial), onde são atendidos, por exemplo,
dependentes de drogas que não conseguem ser internados.
Em 2012, só 35% desses atendimentos intensivos (com acompanhamento
diário de pacientes) foram feitos.
Entidades privadas de saúde receberam no ano passado R$ 2,1
bilhões da prefeitura. Cerca de 72% das consultas da rede hoje são
feitas por elas (ao menos 34% por OSs).
A falta de realização de consultas tem reflexo na fila de espera da
saúde. Em dezembro passado, 800.224 pedidos médicos aguardavam na
fila na rede inteira (não só nas unidades administradas por OSs).
Desses, 311.627 eram com especialistas.
PACIENTES
São casos como o do pedreiro José Cândido da Silva, 54, que só
conseguiu uma consulta com um cardiologista ontem, após dois meses
de espera, e da doméstica Maria de Assis, 59, que aguarda há sete
meses para ser atendida por um reumatologista.
"Tenho osteoporose, estou com dor. Fazia um acompanhamento com
uma médica, que deixou de trabalhar aqui em setembro do ano passado
e até hoje não foi substituída. Sem a consulta, não consigo o
remédio", dizia Maria, ontem, na porta da AMA Especialidade Isolina
Mazzei, na Vila Guilherme (zona norte).
Uma das justificativas das OSs para o não cumprimento dos
contratos é a dificuldade em contratar especialistas.
O principal argumento da prefeitura para adotar o modelo era
justamente a facilidade que elas teriam para isso, já que têm
liberdade para pagar melhores salários.
A não realização de consultas não implica em desconto dos repasses
feitos às OSs.
Mesmo deixando de fazer o atendimento, elas continuam a receber a
mesma verba.
"Elas são remuneradas pela capacidade operacional que
disponibilizam. É um sistema ineficiente", diz Mauricio Faria,
conselheiro da área de saúde do TCM (Tribunal de Contas do
Município).
OUTRO LADO
A Secretaria da Saúde da gestão Fernando Haddad (PT) afirmou que
já começou a reavaliar os contratos vigentes e deverá, inclusive,
mudar a forma como é feito o repasse -com desconto no caso de não
cumprimento.
A pasta também creditou o problema ao grande absenteísmo (falta)
às consultas. Disse ainda que iniciou em fevereiro o agendamento
automático da fila e passou a telefonar 15 dias antes da consulta
ou exame para confirmar a presença do paciente.
O ex-secretário Januario Montone afirmou que a gestão Gilberto
Kassab (PSD) aumentou, com auxílio das parceiras, o número de
serviços e unidades (de 581, em 2004, para 1.048, em 2012), a
quantidade de médicos (em 67%), e de consultas médicas (em 28,5%
com especialistas).
Também afirmou que a taxa de falta dos pacientes às consultas
agendadas variava de 25% a 35% na rede.
As OSs também afirmam que a desistência de pacientes é alta e
que, nos Caps, a dificuldade de cumprir a meta acontece porque
muitas pessoas não conseguem se fixar no tratamento médico.
A SPDM disse que algumas metas na AMA Isolina Mazzei foram
duplicadas pela prefeitura, por isso houve o deficit.
Segundo a OS, uma consulta com cardiologista demora em torno de
60 dias na unidade; quatro reumatologistas pediram demissão em
agosto de 2012 e há dificuldade na reposição do quadro.
A entidade disse ainda que nos Caps os pacientes tiveram
dificuldade para prosseguir no atendimento intensivo.
A Santa Marcelina, que fez 60% dos atendimentos nos Ambulatórios
Especialidade, também afirmou que a distância das unidades
dificulta o interesse dos médicos.
A Santa Catarina, que fez 64% das consultas nas AMAs, diz que está
tomando iniciativas para reduzir a desistência de pacientes.