Quase dez anos após a farsa científica encenada pelo cientista
sul-coreano Hwang Woo-Suk, pesquisadores dos Estados Unidos
anunciaram nesta quarta-feira, 15, ter, finalmente, alcançado
aquele que era o grande sonho da terapia celular na época: a
clonagem terapêutica de embriões humanos.
Em um trabalho publicado na revista Cell, pesquisadores da
Universidade de Saúde e Ciências do Oregon relatam a produção dos
primeiros embriões humanos clonados do mundo, dos quais foram
obtidas as primeiras linhagens de células-tronco embrionárias
humanas clonadas (geneticamente idênticas ao doadores).
A proposta seria usar essas células para produzir tecidos para
uso terapêutico, não para clonar pessoas. A pesquisa, porém, é
historicamente polêmica por envolver a destruição de embriões
humanos.
A técnica empregada no estudo, chamada de “transferência
nuclear”, é essencialmente a mesma usada para clonar a ovelha Dolly
em 1996 e muitos outros animais desde então. Mas com algumas
modificações. Entre elas, a adição de cafeína ao líquido de cultura
das células.
Um feito notável, do ponto de vista científico, mas que chega
tarde para estimular novas pesquisas com terapia celular baseadas
em clonagem. “Seria um marco da Biologia se tivesse sido realizado
dez anos atrás”, diz o pesquisador brasileiro Stevens Rehen, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O “problema” é que, nesse meio tempo, uma outra técnica foi
desenvolvida para obter células-tronco humanas pluripotentes
(equivalentes às embrionárias) de forma muito mais simples e sem as
complicações éticas ligadas ao uso de óvulos e embriões
humanos.
São as chamadas células-tronco de pluripotência induzida (iPS),
geradas pela reprogramação genética de células adultas, sem a
necessidade de revertê-las ao estágio embrionário. A técnica foi
desenvolvida em 2007 pelo cientista japonês Shinya Yamanaka e
rendeu a ele um Prêmio Nobel em 2012.
“Depois das células iPS, perdeu-se muito o interesse em clonagem
terapêutica”, reconhece a geneticista Mayana Zatz, da Universidade
de São Paulo. “Imagino que com a clonagem você obtenha células mais
parecidas às de um embrião, mas ainda é uma técnica muito
complicada. Do ponto de vista da aplicação, as iPS são muito mais
práticas e importantes.”
“A vantagem de simplicidade das iPS é insuperável”, diz a
cientista Lygia Pereira, também da USP. “Na clonagem, a
reprogramação da célula é uma caixa preta: você faz a transferência
nuclear e espera para ver o resultado. O que o Yamanaka fez foi
descobrir o ‘abracadabra’ dessa caixa preta e ele é muito mais
simples do que a gente poderia imaginar.”
O cientista japonês mostrou que, com a introdução de apenas
quatro genes no genoma de uma célula adulta, é possível revertê-la
a um estado indiferenciado e pluripotente, com capacidade para se
transformar em qualquer tecido do organismo.
Mudanças
O “abracadabra” descoberto agora pelo grupo do Oregon para a
clonagem funcionar inclui modificações pontuais - mas essenciais -
ao processo tradicional de transferência nuclear. Entre elas, a
remoção, além do núcleo do óvulo, de uma estrutura celular chamada
spindle e a adição de cafeína ao meio de cultura celular. Não se
sabe por que, mas a fusão e a reprogramação das células funcionaram
muito melhor quando elas foram expostas à cafeína. A eficiência da
técnica, no final, foi bastante alta. Em um experimento, cientistas
conseguiram produzir quatro linhagens de células-tronco de oito
óvulos de uma única doadora.